Dança Sem Idade – Alkantara Festival
Francisco Camacho
Até que idade se pode dançar?
Dança Sem Idade centra-se na questão da idade e do envelhecimento, seja no plano da dança seja num âmbito mais geral no seio da sociedade. A articulação das suas diferentes actividades visa contribuir para a desconfirmação de ideias pré-estabelecidas e ainda pouco contrariadas quanto à idade até à qual se pode dançar, e das expectativas por parte do público quando confrontado com um corpo fora destes parâmetros convencionados.
A normatividade inscrita na dança ocidental atinge as pessoas que, alcançados os 40 anos, se vêem consideradas como idosas, vivendo a discriminação. Ao invés, há que considerar a diferença abissal entre o Ocidente e outras culturas, como é o caso do Japão, onde o avançar na idade é encarado com respeito e admiração, sendo considerado que é então que artistas atingem o seu fulgor e excelência. Tornar presentes estas questões permite que a partir deste aspecto particular se estimule um olhar mais amplo sobre o corpo e o indivíduo na sociedade, desconstruindo parâmetros de exclusão que abrangem tantos segmentos da população.
A emergência sanitária do Covid19 subverteu o nosso quotidiano e as pessoas idosas, já frequentemente vítimas de condições de marginalização, contam-se entre as mais afectadas pela pandemia, no seu estado de saúde e obrigando um grande número à solidão. O mundo vive hoje uma profunda preocupação com o presente convulsivo e o futuro incerto. No entanto, não queremos esquecer o quanto este mesmo mundo tem sido, por sua vez, uma causa de exclusão para os corpos e todas as subjectividades que não estão em conformidade com os cânones de uma suposta normalidade, de beleza e de eficiência, como no caso das pessoas idosas – o que é transversal à classe de intérpretes de dança.
O termo idadismo foi adoptado na língua portuguesa, numa tradução directa do ageism que foi cunhado por Robert Neil Butler em 1969, para designar o estereotipar e/ou discriminação contra indivíduos ou grupos com base na sua idade. Numa parceria entre o Alkantara Festival e a EIRA, o programa Dança sem Idade quer promover a reflexão sobre o idadismo, em particular na esfera da dança, e contribuir para as ações para se lhe opor. Simultaneamente, é um testemunho do desejo de um futuro em que todas as particularidades tenham espaço de expressão.
O projeto coloca em diálogo profissionais da dança com mais de 40 anos e figuras académicas, de vários países, reivindicando espaço e visibilidade para corpos menos jovens e já não no fulgor da exuberância física, mas que com toda a sua experiência e inteligência motora acumuladas podem ainda interpelar e conquistar os públicos.
Contemplam-se três dias de práticas artísticas, abertos à participação de profissionais da dança com mais de 40 anos. Em cada dia, haverá uma proposta diferente de trabalho liderada por artistas com linguagens e práticas diferenciadas entre si, como são Nacera Belaza, Ali Chahrour e Francisco Camacho. Esta diversidade contribuirá para a activação e reciclagem artísticas destes participantes. No plano da reflexão teórica, promove-se um simpósio com figuras relevantes da investigação académica desenvolvida neste campo, no âmbito internacional, assim como uma conversa após a apresentação de VELHⒶS, com o seu coreógrafo Francisco Camacho e a coreógrafa e investigadora Susanne Martin, num diálogo sobre as suas práticas e perspectivas artísticas, com a moderação da jornalista e ativista cultural Carla Fernandes.
Também a apresentação do espetáculo VELHⒶS, de Francisco Camacho, que reúne um grupo de profissionais que já dobraram os 50 anos, com a música ao vivo de Sérgio Pelágio, e contando com a generosa participação de habitantes lisboetas com ainda mais idade.
Programação:
Simpósio – Sensibilização para outros corpos
18.11. 2021 – 17h30
TEATRO SÃO LUIZ – Sala Mário Viegas (gratuito e sujeito à lotação da sala)
120 min
EM INGLÊS, COM TRADUÇÃO SIMULTÂNEA PARA PORTUGUÊS
Este painel inserido no programa Dança sem Idade conjuga especialistas do universo académico e artístico que investigam a temática do corpo com mais idade e a sua visibilidade, com foco direto na dança mas abordando também o corpo na sociedade contemporânea. Conta com partipações de Ana Macara, Emma Lewis, Kaite O’Reilly, Nanako Nakajima, Ramsay Burt e Susanne Foellmer.
Bios
Ana Macara, Mestre e Doutorada na área da Dança, está aposentada como Professora Associada, do Departamento de Dança da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa onde trabalhou de 1983 a 2016, lecionando Técnica de Dança, Composição e Produção Coreográfica entre outras disciplinas de licenciatura, mestrado e doutoramento. Coordenadora do Departamento de Dança de 2002 a 2009 e do Mestrado em Artes Performativas da FMH-UTL de 2008-2014. Atualmente é investigadora do Instituto de Musicologia – Música e Dança (INET-MD) e do Centro de Estudos em Artes do Performativas da FMH – Universidade de Lisboa. Editou vários livros, tais como “Corpos (Im)Perfeitos: Reflexões para o entendimento da diversidade do performer contemporâneo” ou “Pulses and impulses for dance in the community”. Em 2010 organizou o Seminário Internacional “Dancing through Maturity”, na FMH. Publicou diversos artigos sobre dança, coreografia e educação artística, entre os quais “Dance practice: There’s no age for playing with art, chance and communication “ e “Idosos que dançam”. Em 2005, ao comemorar o seu 50º aniversário, criou e interpretou o solo “Half-Siècle”, apresentado em Portugal, Brasil, Finlândia e Turquia. Entre 2009/11 participa como criadora/intérprete no projeto “No Princípio” liderado por Soraia Silva e apoiado pelo Instituto das Artes/CEN/UnB, e CESC de Brasília. Para a Companhia de Dança de Almada criou “Sol Memória, Corpos de Luz”, “Dependências”, “Pulos na rua com os pés na Lua”, “Asas e Carapaças, Hastes e Barbatanas” e “Elevado a 4”, entre outras peças. Co-diretora Artística da Quinzena de Dança de Almada – Festival Internacional de Dança desde 1992 e consultora da Companhia de Dança de Almada desde 1990. Em 2004 recebeu o Prémio Lawther da UNCG (EUA), pela sua carreira como profissional de Dança.
Emma Lewis é formada na Royal Ballet School, a carreira de Emma começou no ballet clássico, trabalhando em Espanha e Itália. Redescobriu a dança contemporânea aos 23 anos, formou-se na London Contemporary Dance School antes de se envolver com o Cullberg Ballet, na Suécia. Após o nascimento da sua segunda filha, Emma mudou-se para França e pensou em pendurar as sapatilhas de pontas, mas não foi o que aconteceu. Continuou a trabalhar e a colaborar com coreógrafos em França e na Suécia, enquanto se certificava como professora em técnicas de dança clássica e contemporânea e no método Pilates. Tem o privilégio de trabalhar há muitos anos com uma grande variedade de pessoas, desde dançarinos profissionais a sofredores de Parkinson, enriquecendo o seu conhecimento e as suas vidas através da magia da música e do movimento. É membro da Dance On Ensemble.
Kaite O’Reilly é poeta, dramaturga e vencedora de vários prémios, escreve para rádio, cinema e performance. Os prémios incluem o Peggy Ramsay Award, o Manchester Theatre Award, o Theatre-Wales Award e o Ted Hughes Award por novos trabalhos em Poesia para “Persas” (National Theatre Wales). Foi homenageada em 2017/18 pelo Prémio Internacional Elliot Hayes de Dramaturgia pelo seu trabalho entre as culturas surdas e ouvintes. Entre 2003-06 foi bolsista criativa do Arts and Humanities Research Council explorando “Dramaturgias alternativas informadas por uma perspectiva surda e da deficiência” na Universidade de Exeter, desenvolvida no International Research Center Interweaving Performance Cultures, Freie Universitat, Berlin (2011-18 ). Foi-lhe atribuído um Hawthornden Fellowship, quatro comissões ilimitadas e dois Creative Wales Major Awards do Arts Council Wales, o último para The Beauty Parade, uma apresentação no Wales Millennium Centre em março de 2020 apresentando linguagens faladas, cantadas, projetadas e visuais, co-dirigido com o colaborador de longa data, Phillip Zarrilli. Ela é conhecida por seu trabalho pioneiro na cultura da deficiência e na estética do acesso. “The ‘d’ Monologues” e “Atypical Plays for Atypical Actors” são publicados pela Oberon / Bloomsbury. A sua primeira longa-metragem com a Mad as Birds Production Company estreará em 2022. www.kaiteoreilly.com
Nanako Nakajima é uma académica e dramaturga de dança de Kyoto, Japão, doutorada e mestra de dança tradicional japonesa e professora visitante Valeska Gert 2019/20 na Freie Universität Berlin. A sua recente dramaturgia inclui Dance Archive Box Berlin (Akademie der Künste Berlin, 2020) e o trabalho de Wang Mengfan com bailarinos reformados na China, 2019. Nanako recebeu a Comenda Especial em Dramaturgia do Prémio Elliot Hayes. Em 2020, ela lançou o seu laboratório “Dramaturgia de Dança do Envelhecimento” no Kyoto Art Theatre Shunju-za. Publicações: Dramaturgia da Dança, O Corpo Envelhecido na Dança; http://www.dancedramaturgy.org
Ramsay Burt é professor emérito da Universidade De Montfort. Suas publicações incluem The Male Dancer (1995, revisado em 2007 e 2022), Alien Bodies (1997), Judson Dance Theatre (2006), Writing Dancing Together (2009) com Valerie Briginshaw Ungoverning Dance (2016) British dance: Black routes (2016) com Christy Adair e Dance, Modernism and Modernity com Michael Huxley (2019). Foi editor fundador do Discourses in Dance com Susan Foster. Em 1999, foi professor visitante do Departamento de Estudos da Performance da Universidade de Nova York. Em 2010, foi Professeur Invité na l’Université de Nice Sophia-Antipolis e foi professor convidado na PARTS em Bruxelas.
Susanne Foellmer é professora de Estudos de Dança na Universidade de Coventry, Centre for Dance Research (C-DaRE), Reino Unido. As suas áreas de investigação abrangem teoria estética e corporeidade na dança contemporânea, performance, e na Era de Weimar, relações entre a dança e ‘outros’ meios de comunicação, bem como temporalidade, historicidade, e politicidade da performance. Publicações recentes incluem: S. Foellmer: Artes performativas em transição. Moving Between Media (ed., com M. K. Schmidt e C. Schmitz), Routledge 2019; S. Foellmer: “Bodies’ Borderlands”: Mesmo no Meio. Deficiências/ deficiências em palco”. In: G. Brandstetter e N. Nakajima (eds.), The Aging Body in Dance. A Cross-Cultural Perspective. Routledge, 2017, pp. 90-103; e em breve: S. Foellmer: Sobre Remanescentes e Vestígios. Negociando a Persistência e a Efemeridade nas Artes Performativas. Routledge 2022. Tem também trabalhado como dramaturga e consultora artística para Helena Botto, Isabelle Schad, Meg Stuart, Jeremy Wade, entre outros.
Novos Conhecimentos – Atividades Práticas Para Profissionais
dia 19 – 10h às 17h (com 1 hora de pausa de almoço) | orientador: Francisco Camacho
dia 20 – 10h às 16h (com 1 hora de pausa de almoço) | orientadora: Nacera Belaza
dia 21 – 10h às 17h (com 1 hora de pausa de almoço | orientador: Ali Charour
TEATRO SÃO LUIZ – Sala Bernardo Sassetti (gratuito)
As atividades práticas do programa Dança sem Idade terão a duração de três dias completos e dirigem-se a profissionais de dança com mais de 40 anos. Têm como objetivo estabelecer um lugar de proximidade, de troca de experiências e trajetórias artísticas que visam a interação e criação de laços futuros.
Em cada dia, haverá uma proposta diferente de trabalho liderada por artistas presentes no festival, que com as suas linguagens e práticas diferenciadas desejam contribuir para a ativação e renovação artísticas destes participantes.
Bios
Ali Chahrour nasceu em Beirute, em 1989. Bailarino e coreógrafo, estudou teatro e dança na sua cidade natal e em várias escolas pela Europa. No seu trabalho explora a relação profunda entre o corpo e o movimento, e entre a tradição e a modernidade — inspirado pelo contexto político, social e religioso de Beirute, onde vive e trabalha.
Francisco Camacho é coreógrafo, bailarino, membro fundador e diretor artístico da EIRA. Estudou dança e teatro na Companhia Nacional de Bailado, no Ballet Gulbenkian e em Nova Iorque, no Merce Cunningham Dance Studio, Movement Research, Susan Klein School e Lee Strasberg Theatre Institute. Integra o movimento português de dança contemporânea que teve início no final da década de 80, apresentando-se desde essa altura pela Europa, América, África e Ásia. Vários dos seus solos são hoje obras de referência na história da Dança Portuguesa. Foi galardoado com o Prémio Bordalo, da Casa da Imprensa, e com o Prémio ACARTE/Maria Madalena de Azeredo Perdigão, da Fundação Calouste Gulbenkian. Foi intérprete junto de nomes como Creach/Koester, Alain Platel, Carlota Lagido, Miguel Moreira e Filipa Francisco, e destaca a sua colaboração regular com Meg Stuart. Apresentou espectáculos de dança em co-autoria com Mónica Lapa, Vera Mantero, Carlota Lagido, Vera Mota e Sílvia Real, e co-criações com Fernanda Lapa e Miguel Abreu. Realizou intervenções coreográficas para uma obra de Pedro Cabrita Reis, no Museu de Arte Contemporânea de Bona, e para a exposição de Francis Bacon, no Museu de Serralves, a par dos projetos para espaços não-convencionais, Performers Anónimos e Danças Privadas. Ensina regularmente, em Portugal e no estrangeiro.
Nacera Belaza, nasceu em Medea, na Argélia, e vive em França desde a infância. Após ter estudado literatura, entra na Dança como auto-didata e cria uma companhia em nome próprio, onde a suas criações surgem como meio de expressão — para se pronunciar e deslindar a complexidade da sua dupla pertença cultural. Procura transformar a dança num mergulho de introspeção, explorando o movimento como um sopro apaziguador, profundo e contínuo, confrontando a perseverança, o rigor, despojando o “ruído ensurdecedor da existência”, interpretando o gesto à luz da sua utilidade inicial. Em França, apresentou-se no Festival d’Avignon, na Biennale de la Danse, em Lyon, ou no Festival de Marseille, com as suas criações a circularem por todo o mundo. Foi distinguida diversas vezes, tendo recebido do Ministério da Cultura francês o título de Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres e o Prix Chorégraphe (2017), da Société des Auteurs et Compositeurs Dramatique. Desde 2017, a Companhia Nacera Belaza detém o título CERNI – Compagnie et Ensemble à Rayonnement National et International, do governo francês. Nacera Belaza criou uma plataforma de cooperação na Argélia, que lhe permite trabalhar regularmente no seu pais de origem.
Espetáculo VelhⒶs
27.11 — 28.11 às 16h
TEATRO SÃO LUIZ – SALA LUIS MIGUEL CINTRA
12€/15€ (VER DESCONTOS)
SESSÃO COM AUDIODESCRIÇÃO E LGP – 28.11 16H
Até que idade se pode dançar? Um grupo de seis bailarinas e bailarinos, com idades a rondar os 50 anos, desafiam as ideias de juventude, pujança e superação física que dominam a prática da dança
Juntos em palco estão Ana Caetano, Bernardo Gama, Carlota Lagido, Filippo Bandiera, Francisco Camacho e Sílvia Real. Ao som da música ao vivo de Sérgio Pelágio, dançam e levam-nos pelos seus passados, através de objetos que os acompanharam ou dos movimentos que tantas vezes fizeram. Dançam para compreender como se relacionam hoje com a fisicalidade e porque desejam o movimento do corpo. Dançam para intervir no futuro.